Roberto Dennis Harris, jornalista, escritor, editor político, nos leva à República Romana[1], acompanhando a vida de Cícero, certamente o mais brilhante orador, advogado, jurista e filósofo romano. Marco Túlio Cícero nasceu em Arpino, Lácio, em 106 aC, e morreu em 07.12.43 aC. “Imperium” inicia a trilogia, ela segue com “Lustrum” e “Dictator”. O que é o Imperium? É o poder formal político em Roma: o poder da vida e morte, no qual o indivíduo é investido pelo Estado.

Cícero consolidou fama como orador e advogado, muitos de seus discursos se tornaram célebres e são lembrados hoje. Uma rica personalidade, instrução apurada, humanista eclético pelo que nos chega de seus textos filosóficos. Buscava sempre o maior prestígio de Roma e a convivência em paz. Pelo exemplo, pregava os costumes moderados, dando ênfase aos aspectos morais da vida. Espírito prático, adaptou o pensamento idealista grego à realidade romana. Iniciou na carreira pública como “quaestor”, agente fazendário, cobrando impostos, cargo com acesso ao colégio senatorial. Eleito Cônsul, reprimiu a Conjuração Catilina[2]. Governador da Cilícia[3], desempenhou o cargo com elevado espírito público. Deixou inúmeras obras em estilo dialogado: “Da amizade”, “Da Velhice”, “Das Leis”, “A República (fragmentos), bem como cartas a familiares e amigos. O autor da trilogia, por certo, reuniu todos estes textos e registros históricos e construiu um romance denso e verossímil. Bem que poderia ter sido assim!

A narrativa linear é conduzida neste quadro histórico pelo escravo Tiro, durante 36 anos secretário de Cícero. O início difícil em face do porte físico frágil e propensão à gagueira. Com esforço e treino superou as incapacidades. Regime alimentar, ginástica respiratória, modulação do tom de voz, truques de oratória. Memorização pelo método clássico “passeio imaginário pela casa do orador”. Regra número um da política: “jamais esqueça um rosto!”. As condições para a candidatura ao Senado. A seleção dos clientes: “se tem um voto, deixa-o entrar”. Uma advocacia pro bono que muito prestígio rendeu: a causa contra Gaio Verres[4], governador corrupto da Sicília. A organização e vida no fórum, “seis ou sete tribunais em sessão permanente”, onde era difícil se mover “o pretor de cada tribunal vinha de casa precedido por meia dúzia de lictores para abrir caminho. O início da sessão assinalado por uma trombeta. O colégio dos áugures com os hábitos dos animais, tirando presságios, que para Cícero eram superstições.

Os interesses políticos e o interesse público, nem sempre coincidentes, a campanha de Sula (Lúcio Cornélio Sula), o ódio entre Crasso e Pompeu, a ascensão de César. O duelo jurídico com o advogado Hortênsio. A precedência entre os pretores. Movimentos de obstrução: “era contra a lei o Senado permanecer reunido após o pôr-do-sol. A proibição de acender tochas. A prestação de contas no arquivo público, documentos senatoriais mantidos em salas a prova de fogo. As contas fraudadas de Verres. Cícero e a aversão pelos assuntos militares e o efeito das cruzes na Via Apia, visão chocante. A cerimônia militar do Triunfo, concedido pelo Senado por vitórias militares extraordinárias. A localização da tumba de Arquimedes de Siracusa. Busca e apreensão em arquivos públicos. A logística para a retirada de documentos. Visita à terrível prisão de Pedreiras. Inspeção prisional, com descrição muito viva. A propina de Verres, a movimentação de recursos com a estratégia de “siga o dinheiro”. Os recursos protelatórios. O recesso forense é antigo, durava vinte dias ao final do ano, após havia o Festival de Flora, cinco dias, e ainda o Dia de Apolo, os Jogos Tarantinos, o Festival de Marte, isto é, quase nenhuma atividade forense de dezembro a fevereiro. A importância de ser cidadão romano.

O grande advogado Hortensio, com sua mansão no Palatino[5], e a adega de “10 mil barris do mais fino vinho Chianti[6]”. A Porta Esquilina, o lixão de Roma. O efeito manada entre os eleitores: em política existem poucas forças mais irresistíveis do que a sensação de que algo é inevitável, porque os humanos se movem como um rebanho”. Cícero no Tribunal das causas de extorsão e o poder do dinheiro. Um famoso discurso acusatório: in toga cândida. As pesquisas eleitorais. A disputa pelo posto de pretor urbano. A motivação para o cargo de cônsul: deixar um legado aos filhos e netos, para o exercício do “ius imaginum” no átrio da casa familiar. Ao final, a arte da vida consiste em tratar dos problemas à medida que aparecem. A única coisa que importa a um estadista, “é como a posteridade irá nos julgar”, mas antes de julgar, ela precisa se lembrar de quem somos nós”.

Trata-se de uma leitura agradável e instigante, para quem se interessa pela história, pelo direito e pela política. Em muitos aspectos mostra-se atual, pois alguns problemas enfrentados na República Romana, acompanham as repúblicas do nosso tempo. O enorme poder da opressão e destruição do império. As virtudes e defeitos da alma humana são eternos. A República Romana estava em declínio, às vésperas da guerra civil. O romance nos leva ao Direito Romano, que teve 12 séculos de evolução e é um extraordinário campo de observação dos fenômenos jurídicos e educação jurídica. Traz elementos de como se fazia um grande advogado. A leitura é enriquecedora e poderia ser completada por uma visita ao local onde se passa grande parte da ação: O Fórum Romano, hoje apenas ruínas. Alguns filmes retratam o período histórico e nos oferecem uma idéia do seu esplendor. Um excelente romance, e bem que poderia ter acontecido exatamente assim, o poder e o declínio de um império.[7]

[1] República Romana, 509 aC a 27 aC, sobre os períodos da história externa da Roma em Direito Romano, vol. I, de José Carlos Moreira Alves, Forense, RJ 2002. O período real (etrusco), de 754 aC a 510 aC, com a queda de Tarquínio, o Soberbo; Período Republicano, de 510 a 24 aC, ocasião em que o Senado investe Otaviano, futuro Augusto no poder supremo com a denominação de Princeps; Período do Principado, de 24 aC a 285 dC, com início do dominato de Diocleciano, Período do Dominato, de 285 dC e 565 dC, morte de Justiniano. Na história interna o estudo se divide em três fases: A do Direito Antigo, ou Pré-Clássico, das origens até a Lei Aebutia, aproximadamente entre 149 aC e 126 aC, e a do Direito Clássico, daí ao término do reinado de Diocleciano em 305 dC e a do direito pós-clássico ou romano-helênico 527 a 565 dC.
[2] Catilinárias, Discursos de Cícero, contra Catilina, fomentador de desordens, saques, discórdia política em Roma. O mais famoso inicia; Até quando ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há de zombar de nós essa sua loucura?… Trata-se de quatro discursos feitos em 63 aC. São até hoje um símbolo da vitória moral sobre a corrupção na vida pública.
[3] Antiga província romana na Anatólia, costa mediterrânea, hoje Turquia.
[4] Im verrem 70 aC Sobre a República, ver Direito Romano, José Carlos Moreira Alves, Vol. I, Forense, 13ª edição, fls 13 a 27
[5] Daí a designação das residências suntuosas de palácios.
[6] Chianti, vinho tinto, seco com sabores e notas de violeta e cereja, produzido com uvas Sangiovese. Nome derivado do etrusco “clante” (água).
[7] Ainda sobre o período, Ivar Lissner, “Os Césares”, tradução Oscar Mendes, Die Casaren Macht Und Wahn, 1985, Ed. Itatiaia, Allan Massie, “Augustus”, tradução Flávia Samuda, Ediouro, 1986. Memórias de Adriano, Marguerite Yourcenar. “De Bello Gallico”, “Declínio e queda do Império Romano”, Edward Gibbons, Cia de Bolso, Saraiva, Rubicon, Tom Holland, 2010. Filmes, “O Gladiador”, “Ben Hur”. Roma (11 DVDs). HBO Entertainment. BBC. No episódio 10, “O Triunfo de César”. O início da trajetória de César, com a invasão de SULA e entrada do exército em Roma. Perseguição aos rivais e desafetos, confronto no Senado, aparece a figura de Cícero.

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