120 anos de esquecimento.



Neste mês de junho comemora-se ( comemora-se?) os cento e vinte anos da Batalha do Pulador, aquela que decidiu a Revolução Federalista de 1893. Foi, sem dúvida, o mais importante evento bélico daquela guerra civil, com o envolvimento direto de 1.600 federalistas e 3.000 republicanos: mais de mil homens morreram em ação, sem contar as centenas que viriam a sucumbir nos dias seguintes, em função dos ferimentos recebidos em combate.

Assim como é para os franceses o “colaboracionismo” durante a ocupação nazista, o tema da revolução ainda se revela para os gaúchos espinhoso e difícil, mesmo para os olhares pós-modernos do século XXI. Em fins do ano passado celebrou-se também o 120º aniversário um dos seus episódios mais controversos, a matança do Rio Negro. Perpetrada pelos revoltosos contra os castilhistas em novembro de 1893, o massacre notabilizou o uruguaio Adão Latorre, a quem foram atribuídas dezenas de degolas. A resposta veio à galope: em abril de 1894, partidários de Júlio de Castilhos da região de Palmeira das Missões conseguiram cercar uma tropa rebelde acampada na localidade de Boi Preto. Depois de um baile, com gaita, trago e churrasco, os federalistas teriam se entregado mediante garantia de vida. Foram amarrados e postos em marcha. No caminho, os chefes foram mandando degolar. Dos trezentos e setenta prisioneiros, não sobrou nenhum .

Adão Latorre, que contava com 58 anos na época, escapou com vida daquela guerra. Morreria três décadas depois, quase nonagenário, ao tombar do cavalo combatendo os chimangos na revolução de 1923. Sobre o sangue que enegreceu o pampa em Pulador, Rio Negro e Boi Preto há ainda um silêncio eloqüente, mas a trégua obtida na revolução que se seguiu - em que Adão encontrou o seu destino - conciliou os gaúchos em torno de um objetivo comum, propiciando que um filho da terra assumisse o governo central: Getúlio Dornelles Vargas.

Passados cento e vinte anos da degola e dos combates, o que se vê? O Rio Grande ainda separado por ideologias antípodas e projetos políticos conflitantes. Gaúcho, não se sabe ainda bem o motivo, gosta de controvérsia, de polêmica, de discussão. Tanto sangue vertido nestas veredas da história, e a verdade mais elementar ainda se perde em meio ao alvoroço das disputas diuturnas: o Rio Grande só é grande quando há um projeto comum a catalisar nossas energias. Divididos, perdemos poder político (há quanto tempo não fazemos um protagonista no cenário nacional), econômico (nosso PIB despenca em comparação com outros estados) e até mesmo cultural ( nossas peças, livros e filmes ainda são apreciados pelo resto do país, em comparação ao passado? ) Divididos, somos guerreiros desmontados, desarmados e prontos para o abate.

Ou mudamos, ou seremos esquecidos pela História. Assim como os degolados do Boi Preto e os caídos do Pulador.

Marcel Citro
Juiz Federal



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