Revista AJUFERGS N.º 06
Palavra da Diretoria
O cenário no qual se insere o recente processo de democratização, iniciado após mais de vinte anos de período de exceção, idade há pouco completada pela Constituição Federal, evidencia que o caminho a percorrer para consolidação de uma sociedade mais justa fraterna e solidária, além de extenso, impõe inúmeras dificuldades.
Não é possível prognosticar a distância ainda a percorrer ou a totalidade dos obstáculos que deverão ser superados. Ainda assim, já é possível identificar dois deles, ambos relacionados ao campo de atuação da Ajufergs.
O primeiro condiz com a atual e enfática flexibilização dos compromissos sociais. Natural que depois do longo intervalo de embrutecida arbitrariedade política houvesse alguma distensão. Contudo, já tarda o momento de encarrilhar os vínculos comunitários
Muito longe de compactuar com qualquer espécie de conservadorismo, decerto não é admissível consentir com a ausência de qualquer comprometimento social. Parece óbvio afirmar que a consagração da liberdade implica responsabilidade de todos, sob pena de consolidar a liberdade de apenas alguns poucos. Mas infelizmente não é o que se observa. Em terra brasilis é corrente a indistinção da liberdade com desrespeito ao próximo, às instituições ou à democracia.
Certamente esta não é uma característica específica do brasileiro. O relativismo impresso na filosofia hermenêutica contribuiu para o desmantelamento de dogmas morais e científicos. O que não significa, porém, que não possam surgir orientações para o harmônico convívio social. Ao relativismo não se baralha o hedonismo cínico e egoísta que preconiza a complacência com arbitrariedades individuais, as quais insistem em predominar sobre valores intrínsecos à dignidade da pessoa humana. Se esse desvio social não nos é particular, por outro lado, é inegável que se apresenta acentuado em território pátrio pela atávica e desordenada mescla entre interesses públicos e privados.
É preciso urgentemente superar essa fase mediante a reafirmação de compromissos sociais fundamentados em valores empenhados na inclusão universal dos interesses sociais.
Esse indesejável elastério alcança indiretamente o Poder Judiciário. Obrigações tributárias, mesmo constitucionalmente filtradas, são esfaceladas pelo singelo e inverídico argumento de oposição ‘estado vs. contribuinte’, como se este não portasse qualquer compromisso comunitário ou se aquele pudesse ser imediatamente identificado com o interesse social. As disfunções estatais não permitem atuações permissivas, senão ações que objetivem os ajustes necessários. Essa situação não difere daquela percebida na área penal. Excetuado qualquer revanchismo injustificável, constata-se o relaxamento na imposição de punições – as quais não se cingem ao recolhimento à prisão –, muito especialmente quando há a possibilidade de desfavorecer os que detêm condições econômicas favoráveis.
Não devem ser preconizadas posturas intransigentes, que concretizem o superado modelo positivista de ‘lei e ordem’. Mas o Poder Judiciário, como instância catalisadora da democracia, não pode olvidar seu papel de reclamante de comportamentos compatíveis com os interesses sociais.
A outra oposição identificada está diretamente relacionada ao desempenho do Poder Judiciário. Paradoxalmente, exortador do Estado Democrático de Direito, deixa de orientar-se, internamente, pelos princípios que pretende deflagrar. Qualquer magistrado pode reconhecer a inconstitucionalidade de um diploma legal emanado de outro Poder republicano, ao mesmo tempo em que se encontra vinculado a atos, resoluções e enunciados instituídos pelas instâncias ditas superiores sem qualquer discussão a respeito das matérias disciplinadas. Poder do qual se exige transparência e denodo no cumprimento de suas incumbências constitucionais, mas que termina por se compatibilizar com escolhas pouco democráticas daqueles que, por exemplo, exercem funções administrativas.
Hic et nunc entrelaçam-se os dois obstáculos que agem como elementos construtores do Leviatã que precisa ser combatido.
Na atualidade de individualismo exacerbado, socialmente descomprometido, é absolutamente equivocado esperar que terceiros intervenham em favor do Poder Judiciário. Afora os mal-intencionados cuja predileção é pela sua debilidade, muitos ainda não compreenderam a relevância do Poder Judiciário para a solidificação da democracia.
Por conseguinte, insta que as associações de classe trabalhem com afinco para superação desses obstáculos. Entretanto elas não funcionam automaticamente. O desencadeamento de suas ações pressupõe o abnegado trabalho de alguns poucos. E por mais competentes e combativos que o sejam, precisam contar a com a força de toda a categoria.
Juiz é agente da democracia. Atua mediante o exercício da autoridade inerente aos atos judiciais. Todavia a autoridade não mais se basta por si só, compreende responsabilidade e postura democrática. Escorar-se em passado, lamentavelmente ainda não de todo sepultado, é insuficiente para a legitimação do Poder. É preciso, pois, que o juiz se dispa da condição platônica de rei-filósofo e encare a situação com desprendimento, enquanto instrumento estabilizador da sociedade, e não simplesmente escorado no ‘dr’ que precede seu nome.
A Ajufergs cotidianamente se mostra disposta ao embate. Contudo, embora seu desempenho enérgico e corajoso, não a desmerece o fato de os circuitos antagônicos estarem em maior número. Contra estes, é preciso a participação de todos. Aos magistrados contrapõe-se o vetusto e comezinho bordão hispânico em forma interrogativa ao invés de afirmativa: passarão?
Em passado recente, no Chile, passaram. Mas o país conseguiu rearticular suas forças e recolher os destroços, tornando ao seu devido lugar. Aos que tombaram pelo caminho, a homenagem da memória pela certeza de que sem eles o arbítrio poderia se eternizar.
A Ajufergs tem a convicção de que com a atuação conjunta de seus associados a resposta àquela indagação será negativa. Pelo bem do Poder Judiciário, pelo bem da democracia. Que as brisas andinas fortaleçam nossa disposição!
Editorial
A Associação dos Juízes Federais do Rio Grande do Sul – AJUFERGS tem o grato aprazimento de disponibilizar à comunidade jurídica o sexto volume de sua Revista.
Assim como vem ocorrendo desde volumes anteriores, em virtude do número de trabalhos apresentados, a política editorial, até o momento em que isto seja possível, tem optado pela publicação apenas de artigos escritos por associados ou integrantes do corpo docente da Escola Superior da Magistratura Federal – ESMAFE/RS, todos magistrados federais.
Dá-se continuidade ao trabalho de divulgação do pensamento jurídico de parte dos juízes federais. Não se cinge o volume, entretanto, a esse objetivo. A qualidade dos ensaios, a variação dos temas e a diversidade de propostas interpretativas apresentadas se constituem como importante contribuição para o aprimoramento do Direito, prestando-se como interessante ferramenta do operador militante na área federal, como aos acadêmicos em geral.
Contribuíram para este volume os eminentes Juízes Federais Adel Américo Dias de Oliveira, Andrei Pitten Velloso, Daniel Machado da Rocha, Gabriel de Jesus Tedesco Wedy, Gerson Godinho da Costa, José Antonio Savaris, Moacir Camargo Baggio e Tiago do Carmo Martins.
Agradecemos aos colaboradores e, simultaneamente, exortamos todos os associados para participarem da edição dos próximos volumes, assim compartilhando seus estudos e experiências profissionais.
Conteúdo
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- O CONCILIADOR NOS JUIZADOS FEDERAIS Adel Americo Dias de Oliveira - p. 13
- CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS Andrei Pitten Velloso - p. 31
- A ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO DIREITO FUNDAMENTAL: UMA ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DA CONCRETIZAÇÃO JUDICIAL DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL Daniel Machado da Rocha - p. 101
- ALBERTO PASQUALINI: O HOMEM, O PENSAMENTO E O TRABALHISMO Gabriel Wedy - p. 137
- OS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E OS LIMITES DE DEDUÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA Gerson Godinho da Costa - p. 171
- O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ADEQUADA PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA: UM NOVO HORIZONTE DE SEGURANÇA SOCIAL AO SEGURADO APOSENTADO José Antonio Savaris - p. 201
- O PENSAMENTO COMPLEXO E UMA HERMENÊUTICA RESTAURADORA DO SENTIDO: ALTERNATIVAS PARA A BUSCA DE UMA CONVIVÊNCIA POSSÍVEL? Moacir Camargo Baggio - p. 229
- DECADÊNCIA DO PODER DE REVISÃO DO ATO QUE CONCEDE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO Tiago do Carmo Martins - p. 269