13As cidades estão crescendo.

Essa é uma constatação simples, que a maioria consegue perceber facilmente. Mas realmente estão crescendo?

Podemos notar, desde cidades pequenas e, de maneira tão impactante quanto, nas cidades maiores, o surgimento de ‘espigões’, muitos deles em áreas residenciais tradicionais, ao lado de casinhas igualmente pitorescas, que conferem peculiar identidade a certa região, bairro e, até mesmo, a uma cidade inteira.

Repentinamente, essas casinhas, com suas arquitetura únicas, verdadeiras faces moldadas ao longo do tempo, têm como vizinho grandalhão um imenso prédio, que retira delas sua luz natural, sua privacidade, sua segurança e sua tranqüilidade. Nessas andanças por cidades interioranas – umas nem tanto – podemos notar claramente quão deslocados da paisagem típica estão esses prédios. Em uma capital o impacto visual é um pouco menor. Mesmo assim, para quem é morador antigo de determinado bairro ou região, ou apenas um bom observador, é perceptível essa mudança.

Dessa maneira, num pedacinho de terra verticalizado são colocadas pessoas aos montes, inflacionando a densidade demográfica de uma região que muitas vezes não tem estrutura para suportar o incremento populacional.

Com efeito, as vias foram projetadas para um volume menor de veículos. O transporte público é adequado para outra realidade. Os diversos serviços passam a ser mal prestados, o comércio não atende à demanda. Filas de espera para matrícula nas escolas públicas. Postos de saúde e hospitais idealizados para uma densidade demográfica e estrutura populacional diversa.

Aí inicia um círculo vicioso: engarrafamentos; pessoas estressadas; atrasos no trabalho; ônibus atrasados e lotados; filas na padaria, nos bancos, nos correios. Possivelmente, as escolas, postos de saúde e hospitais lotados sejam a face mais perversa de um aumento desmesurado da demanda.

Em suma: o inferno na terra.

Em pouco tempo, aquela ilusão de morar num apartamento se transforma num pesadelo. Não bastasse isso, transforma em tortura diária a vida de todos os demais em sua volta.

Além disso, há a questão da segurança, tão em voga. Pode apostar, prezado leitor, que o número de assaltos no entorno do prédio irá aumentar. Claro, há mais “clientes” para os bandidos e a impessoalidade nas relações sociais aumenta. Portanto, não há mais aquele controle mútuo da vizinhança, porque ninguém mais se conhece. Rapidamente, os vínculos comunitários se enfraquecem e, com eles, a segurança, o auxílio recíproco que costuma acontecer em vizinhanças antigas.

Logo, os proprietários de uma casa se vêem na contingência de se desfazer de um local em relação ao qual, muito provavelmente, guardem fortes laços afetivos: foi praticamente o berço em que criados os filhos, ou ali havia um pátio que traz boas lembranças das brincadeiras com seus amados animais de estimação, dentre tantas outras situações corriqueiras até, mas que nos fazem amar determinado local, ter um sentimento de pertença e uma referência da nossa própria história.

Por alguns anos morei em um apartamento no Bairro Tristeza, em Porto Alegre. Foi um dos primeiros prédios “grandes” numa parte específica do bairro, cuja construção terminou em 2008. Acostumado com a região, pude perceber o quanto as sucessivas construções de prédios no entorno alteraram as características e a dinâmica do bairro, e, ao lado de algumas melhorias, outras muitas coisas, infelizmente, mudaram para pior.

Uma cidade que estou a conhecer melhor atualmente e que talvez sirva de exemplo para a realidade que descrevo neste texto é Blumenau. Bela cidade, de colonização alemã. Há muitas casas típicas, outras nem tanto, mas percebe-se que é de uma arquitetura antiga, que confere toda uma identidade especial a esse município. Além disso, é cercado por morros e cortado pelo rio Itajaí-açu. Por conseguinte, a região central não tem para onde crescer. O trânsito, em horário de pico, é ridiculamente excessivo para uma cidade de porte médio. E, quanto às vias urbanas, diante das particularidades geográficas do entorno, não se vislumbra muita expectativa para ampliações.

No mais, adivinhem? Impressiona o excessivo número de prédios, nas diversas regiões. Alguns deles, mais altos que a maioria dos prédios de Porto Alegre, e cercados por casas normais, tradicionais. Imaginem o impacto que um brusco aumento populacional traz à vizinhança. Aliás, como pude perceber do contato com a população local, um dos reclamos crescentes nos últimos anos refere-se ao aumento da criminalidade na região. Mera coincidência?!

Mas o fato é que nossas cidades, em verdade, não crescem. Incham!

E as pessoas vão se acostumando com essa terrível realidade que, aos poucos vai torturando, massacrando nosso dia-a-dia.

O mais incrível é que, numa época em que se fala tanto em qualidade de vida, seja buscada qualidade de vida em algumas coisas tão banais, enquanto outras tão mais importantes são tratadas de modo secundário ou nem isso. Mais engraçado ainda é que as pessoas buscam essa qualidade de vida ao se mudar para um apartamento, o que, em princípio, é válido, como eu mesmo já tive a oportunidade de passar por essa experiência.

Porém, os prédios podem ser comparados a verdadeiros castelinhos, pequenos feudos, nos quais se imagina poder viver feliz para sempre, sem se dar conta de toda uma gama de efeitos da verticalização excessiva, desordenada e especulativa nas cidades. A propósito, vale lembrar um trecho daquela música de O Rappa[1]: “As grades do condomínio são pra trazer proteção. Mas também trazem a dúvida. Se é você que está nessa prisão…”

Bom, quiçá o exemplo mais extremo disso (verticalização excessiva) é Balneário Camboriú. Antes, a cidade chamava-se somente Camboriú. Então, partiram a cidade ao meio: de um lado, menos favorecido (ou mais pobre, como queiram), permanece Camboriú. Lado mais promissor (ou mais rico, à vontade do leitor), que é o da praia, com imensa possibilidade de exploração imobiliária, torna-se Balneário Camboriú.

Perdoem-me os locais, mas a mim causa a impressão (pessoal, obviamente) fortíssima de uma cidade sem identidade ou, melhor, cuja identidade foi demolida para dar lugar a espigões. Ruas estreitíssimas, herança da colonização açoriana, mas sem nenhuma casa típica açoriana em volta. Apenas prédios, arranha-céus imensos que, de tão altos, lançam sua sombra à beira de uma praia – poluída – às três horas da tarde! Surreal, não?!

Aliás, não parece ser de outro planeta a cogitação de que o Plano Diretor de algumas cidades é feito – ou alterado – sob encomenda… vai saber… Pois é, esses dias vi uma foto de Camboriú (original) quando não havia nenhum prédio… pura beleza natural….

Bom, é apenas mais um exemplo, dentre tantos outros.

Em suma, parece estar havendo, ao longo de poucos anos, numa rapidez incrível, um “amontoamento” de pessoas em espaços pequenos, sendo que o próprio ser humano, por mais sociável que seja, também é um ser territorial. E, num país de dimensões continentais, é alarmante a maneira como as pessoas começam a se concentrar em espaços minúsculos, verdadeiros confinamentos, com todos os problemas daí resultantes.

Portanto, é oportuno e atual ter esse assunto em pauta, de tão importantes reflexos no dia-a-dia de todos. Fica o questionamento se queremos realmente um modelo saudável de cidade ou, alheios a isso, nos contentamos apenas com um “empilhamento” de gente.

Nota: Este é um texto para reflexão. Não há, por seu autor, pessoal contrariedade ao crescimento, ao progresso, nem a empresas cujo ramo seja a construção civil. Portanto, caro leitor, reflita! Repito: reflita e não tire conclusões apressadas, nem faça julgamentos parciais ou levados tão-somente pela emotividade. Infelizmente, hoje em dia, é necessário deixar esse caveat bem claro….

[1] Artista: O Rappa. Música: Minha Alma (A Paz que Eu Não Quero). Álbum: Lado B Lado A.

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