A conjugação da insuficiente transparência do Estado com a difusão rápida, desregulada e manipulada de informações na era da tecnologia e das redes sociais tem provocado o surgimento das mais estapafúrdias teorias conspiratórias. Fábulas envolvendo supostas relações espúrias entre autoridades públicas (que provavelmente nunca se conheceram), (hi)(e)stórias de manipulação de urnas eletrônicas (como se a votação convencional fosse imune a erros), complôs imaginários de agentes públicos contra determinado partido político ou contra o ex-Presidente Lula, causas improváveis de falecimento de agentes políticos, ficções sobre a entrega do Pré-Sal aos estrangeiros ou treinamento do Juiz Sérgio Moro pela CIA, fantasias de que o Brasil perdeu propositalmente a Copa do Mundo de 1998 ou que o avião 1907 da Gol foi abatido por um míssil americano recheiam o imaginário popular e abarrotam as listas de whatsapp e notícias de facebook dos brasileiros com “virais”. Muitas dessas histórias fantásticas (bom, talvez um dia alguém prove que algum desses fatos propagados ocorreu, mas a maioria certamente “não tem pé nem cabeça”) são propositalmente difundidas com objetivos políticos. Outras surgem sem explicação e se tornam verdades. Nada com o que se preocupar, certo? Depende. O problema surge quando essas “teorias da conspiração” ganham corpo, tornam-se verdades até mesmo para agentes públicos do alto escalão e grandes empresas de comunicação. A desinformação ou a informação distorcida pode representar risco para a democracia e os direitos fundamentais, e são muitas vezes fabricadas e divulgadas deliberadamente para denegrir determinados grupos, ou para defender determinadas pessoas, assim como para conseguir apoio para aprovação de reformas ou projetos de lei e emendas constitucionais.
Toda ação tomada no segredo dos círculos de poder sempre corre o risco de ter a aparência de conivência e de cumplicidade. Como bem referiu o historiador francês Pierre Rosanvallon, os sentimentos de opacidade e impotência pública que experimentam muitos cidadãos se convertem com frequência em tentativas compensatórias de racionalização imaginária. As visões conspiratórias do mundo correspondem a uma tentativa de restaurar uma coerência em um mundo indecifrável e ameaçador. E o que pede mais cautela: os períodos de mudanças e os momentos de rupturas (talvez o Brasil esteja em um momento assim) são particularmente propícios para a eclosão dessas teorias conspiratórias e a multiplicação de boatos e rumores. Como dizia Toqueville, “uma ideia falsa, porém clara e precisa, sempre terá mais poder que uma ideia verdadeira porém complexa”.
Essas informações simples, de fácil entendimento, mas normalmente falsas ou distorcidas, podem representar ameaças a direitos fundamentais e à democracia. No Brasil, esse caos informacional tem levado muita gente a apoiar, por exemplo, a intervenção militar, a ascensão da monarquia, o armamento da população, e, enfim, a completa ruptura institucional. A transparência no acesso à informação é uma ferramenta importante contra as falsas notícias. Porém, a informação em excesso, mas superficial e inverídica, proporcionada pelas redes sociais, apenas obscurece a verdade e favorece a cascata informacional negativa. É preciso pensar em alguma forma de regular e, em alguns casos, reprimir a falsidade e a injúria, sem censurar. O acesso à mais ampla informação deve ser a regra. Mas não ajuda em nada a estabilidade das instituições democráticas os rumores e boatos que, de tanto serem divulgados, tornam-se verdades. O Brasil precisa saber usar o poder da rede e da “era da informação” para resguardar a democracia, o Estado Constitucional, a segurança jurídica e a paz social.
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