Dia desses recebi um vídeo no qual um adolescente, supostamente autor do furto de uma bicicleta, teve tatuada na sua testa a expressão “eu sou ladrão e vacilão”. Temos aí um exemplo de “justiça com as próprias mãos”.

Naturalmente, como reflexo dos tristes tempos que estamos a vivenciar, inúmeras foram as manifestações a favor desse proceder desprezível, tanto do tatuador quanto do seu comparsa que filmou a cena.

Primeiro aspecto a ressaltar, o adolescente vítima dessa violência realmente furtou ou tentou furtar a bicicleta? A instauração de um regular processo, a transcorrer no Poder Judiciário, teria a finalidade de apurar o ocorrido e, comprovado o crime, aplicar a pena adequada. Atribuir ao terceiro desinteressado o julgamento é uma forma de pacificação social, com a resolução de conflitos sem apelar à violência. Trata-se de modelo secular e vetusto adotado nos países mais democráticos do mundo. Neles dá certo. No Brasil, nem tanto. Mas não por culpa do modelo, mas por responsabilidade dos que o operam mal nestes quadrantes tropicais.

Mas ainda que a coisa não ande bem por aqui, a sociedade precisa exigir que os mecanismos predispostos à punição criminal passem a funcionar corretamente, e não ela assumir essa função de forma precipitada e equivocada. Legitimar condutas como a do tatuador e seu cúmplice implica admitir o caos social onde inevitavelmente o mais forte imporá sua vontade. Comportamentos como o desses dois energúmenos devem ser censurados, portanto, é preocupante que a filmagem tenha viralizado para ser aplaudida por milhares.

Mas nada é tão ruim que não possa piorar. Parece mais assustador ainda observar um integrante do Poder Judiciário, ao vivo e a cores, no desenrolar de um dos julgamentos mais importantes da história do país, desacreditar a própria Justiça a qual ele deveria servir, invocando forças proféticas em desfavor de desafetos, além de simular gesto equiparável à degola ou à decapitação, ao invés de firmar sua crença no estado democrático de direito. Por baixo, umas cinco violações ao Estatuto da Magistratura foram ilustradas.

Se queremos construir uma sociedade melhor, será preciso resistir a atitudes lamentáveis como essas, acolhendo soluções democráticas, humanas e voltadas à harmonização. Do contrário, o que impedirá os familiares e amigos do adolescente involuntariamente tatuado de investirem violentamente contra o tatuador? O que deterá os ameaçados com a degola de investirem contra o Ministro? E, num momento posterior, o que impossibilitará os próximos ao tatuador e ao Ministro de hostilizarem os familiares, amigos e ameaçados por terem atuado como juízes executores, formatando um círculo vicioso infindo. Assim soçobrará a própria sociedade.

O cenário é sombrio, decerto. Mas precisamos iluminá-lo, não torná-lo mais obscuro. Um voto de confiança nas instituições, acompanhado de cobranças pelo regular funcionamento das mesmas, e consequente punição proporcional dos responsáveis, é medida que se impõe. O outro caminho é o da barbárie, seja a praticada por tatuadores, seja a incentivada por doutores.

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