O estudo de Harvard demonstra cientificamente que o único fator determinante para a felicidade é o quanto investimos em nossos relacionamentos. Resta claro que toda a energia direcionada para o fortalecimento dos vínculos trará felicidade. Simples assim. Mas tão difícil de pôr em prática.

Eram felizes, após 75 anos do estudo, todas as pessoas que se dedicaram a cultivar seus relacionamentos. Mesmo os casais que discutiam quase que diariamente eram felizes, pois sabiam que poderiam contar com o outro quando necessário. Os que adoeciam, a dor era menos intensa. Os que investiram nos relacionamentos com os colegas de trabalho colheram os frutos da felicidade. E souberam substituir rapidamente o círculo de relacionamento após a aposentadoria.

Portanto, podemos responder que sim, é possível ser feliz. Mas como fazê-lo? Estamos há diversas décadas vivendo sem investir no que é realmente fundamental para nossa felicidade e só agora nos damos o conta de tal necessidade. Precisamos, para tanto, olhar para o passado e investigar a lição recebida por um poderoso rei.

Heródoto de Halicarnasso viaja pelo mundo antigo, conversa com pessoas de notório saber nos diversos países em que passa (por exemplo altos sacerdotes egípcios e de cidades diversas) e registra o que cada um lhe narra, permitindo ao leitor valorar tais versões. Essas investigações deram origem ao conjunto de livros denominado Histórias (historíai – investigações em grego), sendo que as Guerras Persas são o centro da narrativa do Livro VII em diante.[1]

Narra Heródoto que Creso, rei da Lídia era soberano de um reino riquíssimo. Das margens do Rio Pactolo o ouro era recolhido sem qualquer esforço. Seu poder era ilimitado e inigualável.

Sólon de Atenas resolve ver o mundo e refletir sobre a natureza humana. Passando pela Lídia, foi recebido por Creso. No quarto dia de banquetes e festas, os servos de Creso mostram todos os tesouros e as grandiosidades do poderoso rei. Após tal contemplação, Creso faz a seguinte pergunta para Sólon:

“Hóspede ateniense, muitas histórias sobre ti chegam até nós, por causa da tua sabedoria e da tua peregrinação, que em busca do saber foste a muitas terras para ver o mundo; agora, veio-me o desejo de perguntar-te se alguém dentre todos que já viste é mais feliz”[2]

Não há dúvida que Creso esperava ouvir que ele (o poderoso rei) era o homem mais feliz que Sólon já havia visto. Então, veio a resposta inesperada: “Ó rei, o ateniense Telo”.

Creso não se contém e pergunta quais as razões para julgar que Telo é o mais feliz. Sólon narra o seguinte:

“Isso, porque sua cidade estava prosperando, Telo tinha filhos belos e bons, também viu filhos sendo gerado por todos eles, e isso, porque sua vida era próspera, como as riquezas que há junto a nós, e o fim da sua vida sobreveio-lhe de modo mais brilhante: quando houve uma batalha dos atenienses contra os seus vizinhos de fronteira em Elêusis, ele os socorreu e provocou a fuga dos seus inimigos, morreu de forma mais bela, e os atenienses construíram um túmulo a expensas da cidade para ele no mesmo lugar em que tombou, e os honram magnificamente”.[3]

O rei pergunta quem ele via em segundo lugar, acreditando firmemente que receberia o segundo lugar. Sólon não titubeia e responde: Cléobis e Bíton, pois eles honraram sua mãe perante a deusa Hera e a mãe agradecida pediu à deusa lhes concedesse o que a sorte tem de melhor para o homem. Após o banquete foram dormir no próprio templo e não mais se levantaram, pois no mesmo lugar tiveram seu fim.

Irritadiço, Creso afirma “Hóspede ateniense, e a nossa felicidade é assim lançada ao nada por ti, de tal sorte que tornaste a nossa não mais digna que a dos homens comuns?”. A resposta de Sólon é a seguinte:

“Creso, eu sei que a divindade é em tudo invejosa e perturbada, interrogaste-me sobre os assuntos humanos. Pois, na longa vida humana, houve muitas coisas que ninguém quis ver, e ainda, muitas vezes, sofrer. Suponho que o limite da vida humana esteja nos setenta anos. Estes setenta anos representam vinte e cinco mil e duzentos dias, não havendo mês intercalar; se quisesse tornar um ano a cada dois anos mais extenso com um mês, a fim de que as estações do ano venham no devido momento, além dos setenta anos, os meses intercalares vão se tornar trinta e cinco e os dias dos meses, mil e cinquenta. Esses dias todos nestes setenta anos totalizarão vinte e seis mil duzentos e cinquenta, e um dia é completamente diferente do outro, não traz nenhum acontecimento semelhante. Assim, Creso, um homem é em tudo vicissitude; e sobre aquilo que me perguntaste, eu não te responderei antes de ser informado se terminaste bem a tua vida”.[4]

Creso não dá importância alguma ao seu discurso e manda-o embora. Contudo, à noite, um sonho mostra-lhe a verdade dos fatos futuros.

(continua)


[1] Maria Aparecida de Oliveira Silva, pós-Doutora da USP, traduziu diretamente do Grego para o português os livros de Heródoto. Publicada recentemente pela Editora edipro, possui riquíssima introdução às Histórias e uma beleza que inicia na capa. Vale conferir. “O primeiro livro dedicado à Clio, musa da História, expõe as origens das inimizades entre bárbaros e gregos, que, segundo Heródoto, aconteceram por meio dos raptos de mulheres realizados por todos” in Histórias, livro I, Clio, tradução de Maria Aparecida de Oliveira Silva, São Paulo: EDIPRO, 2015, p. 8.

[2] Obra citada, p. 49.

[3] Ob. Citada, pp. 49/50.

[4] Ob. Citada, p. 51.

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