O MELHOR (O PIOR FOI DELETADO) DO INFORMATIVO CULTURAL DA AJUFERGS

Como estamos agora no ar em praticamente todas as plataformas do mundo virtual, nada mais justo e recomendável que busquemos no fundo do nosso arquivo outras edições dos Informativos já divulgados. Por isso, releio, na parte que interessa e com uma ponta de falso desinteresse, o Informativo Cultural n. XVII.

 BIOGRAFIA

GORE VIDAL, escritor norte americano nascido em outubro de 1925 e morto em julho de 2012, tem vários romances publicados, peças teatrais (como The Best Man, que virou filme com Henry Fonda em 1964, no Brasil o título é “Vassalos da Ambição”), contos, ensaios, e gostava de fazer frases de efeitos. Sobre seus colegas de profissão, disse certa vez: “Os últimos grandes escritores são dinossauros afundando num pântano eletrônico.” Outras ótimas: “Hemingway é um grande blefe literário”. “O político Edward Kennedy daria um bom garçom”. “A democracia é mais uma idéia do que um fato”. “Apenas trinta por cento da população lê algo que não seja lixo.” “Reagan não seria capaz de dirigir nem mesmo uma pequena empresa.”

Gostava, também, de contar histórias, como aquela lembrada por Ruy Castro (FOLHA, 03/08/2012), numa palestra na UNICAMP: “Sabia que a biblioteca do presidente Reagan acaba de pegar fogo? Ambos os livros foram destruídos! E, um deles, Reagan ainda nem tinha acabado de colorir.” Depois dessa palestra, conta Ruy Castro, VIDAL foi agraciado com um recital de Villa-Lobos pelo coral da Universidade. Pela extensão do concerto ou pelos 35 graus de temperatura, ele sussurrou para Ruy: “Nunca mais me deixe ouvir Villa-Lobos.

Sua carreira como escritor começou em 1945, com “Williwaw”, um romance de guerra, que passou desapercebido pela crítica e pelo público. O segundo, “In yellow Wood”, colocou-o na posição de jovem gênio da literatura americana. O terceiro “The city and the pillar”, editado em 1948, provocou escândalo, pois era a primeira obra literária americana que tratava com compreensão o homossexualismo. Depois de mais cinco romances ignorados pela crítica, começou a escrever para a televisão. Em 1958, transferiu-se para o cinema, como roteirista. Escreveu roteiro para “Bem-Hur” (1959) e “De repente, no último verão” (1959). Sob o pseudônimo de Edgar Box, assinou romances policiais, e colaborou com a minissérie “Lincoln”.

Devido às suas ligações familiares com Jaqueline Onassis (ambos tiveram o mesmo padrasto), GORE VIDAL teve acesso direto ao governo Kennedy. Chegou a se candidatar ao Congresso pelo distrito de Nova York, mas não foi eleito, apesar de obter grande votação.

Em 1964 publicou “Juliano”. Em 1967, escreveu “Washington, D.C.”, o primeiro romance de uma trilogia sobre os Estados Unidos que seria completada com “Burr” e “1876”. Depois veio “Myra Breckenridge” e “Kalki”.

De todas as inconfidências que GORE VIDAL cometeu no seu belo livro de memórias Palimpsesto (editora Rocco, 1996), a mais desconcertante é a que trata da noite de sexo que passou com o escritor Jack Kerouac (autor de “On the Road”) no Chelsea Hotel (foi num 23 de agosto de 1953). Disse o escritor (p. 207): “Jack divulgou muitas versões diferentes do que acontecera naquela noite, inclusive um capítulo de seu romance Os subterrâneos e um poema dedicado a mim em México City Blues.

Mas parece que Kerouac não gostava muito de falar no assunto, tanto que VIDAL o cobrou sobre a omissão dos detalhes sórdidos sobre aquela noite:

“- Por que você, o escritor que narra-tudo-como-aconteceu-mesmo, contou tudo sobre aquela noite com Burroughs e comigo e aí deixou de fora o que aconteceu quando fomos para cama?

– Esqueci – respondeu ele. Os olhos que já haviam sido espantosamente azuis estavam agora injetados de sangue.”

Não entendo a razão do temor do grande autor de On the Road e Visões de Cody. Afinal, tinha transado com GORE VIDAL. Razões de sobra para regozijar-se!

Uma das melhores histórias sobre VIDAL foi contada por Washington Olivetto à FOLHA.

O publicitário no ano de 2002 estava em Ravello, no sul da Itália, como convidado de Domenico de Masi. No domingo, dia 30 de junho, o Brasil jogaria a final do Mundial de 2002 contra a Alemanha. Domenico resolveu reunir alguns amigos para assistir o jogo. Entre os convidados estava, além do Prefeito de Ravello, o mais célebre habitante da cidade: GORE VIDAL.

Após total tietagem, W. Olivetto narrou o seguinte comentário do grande escritor, conhecido mundialmente também pelo seu enorme ego:

“Você, que é da América do Sul, me responda uma coisa: o Uruguai existe mesmo ou é uma invenção dos sul-americanos pra dizer que por lá também existe uma Suíça?”

Depois, continuou o publicitário:

“E a outra foi quando ele me perguntou se as traduções dos livros escritos originalmente em inglês eram boas no Brasil.

“Respondi que sim, e exemplifiquei comentando que eu havia acabado de ler um livro de Gay Talese muito bem traduzido.

“Com a cara mais ‘blasé’ do mundo, Gore Vidal comentou: ‘Seu exemplo não vale. Gay Talese é muito fácil de traduzir’.”

Por fim, sei que Diogo Mainardi entrevistou Gore Vidal nos anos noventa. Não a encontrei na internet, mas encontrei esta bem interessante feita pelo jornalista Ricardo Setti.

Bom entretenimento.

DICA DE FILME RUIM

“Um tiro na noite” (“Blow Out”) de 1981 é um suspense bem raso. O filme do diretor Brian de Palma (Scarface, Missão: Impossível I, Os Intocáveis, O Pagamento Final), com John Travolta, é uma mistura de “Blow up: depois daquele beijo” de Michelangelo Antonioni (o título é uma referência direta: blow up x blow out) com “A Conversação” de Francis Ford Coppola. Aliás, está mais para o filme de Coppola, pois, ao contrário de Blow up – onde a suspeita de um crime surge da fotografia -, a suspeita de um assassinato, aqui, também surge de um áudio captado por um sonoplasta (Travolta).

Trata-se de um técnico de som que grava sem querer um acidente de carro e, investigando a fita, se envolve com um crime político. A vítima era um governador, virtual candidato à Presidência da República.

Apesar de ser um filme com uma história intrincada, é o melhor momento de Travolta no cinema, dizem…

Não posso deixar de mencionar que o diretor Brian de Palma no ano de 1974 fez um dos melhores filmes que eu já assisti (O Fantasma do Paraíso, com Paul Williams). Mas como diz o ex-baterista dos Titãs, Charles Gavin, no seu programa do CANAL BRASIL, O Som do Vinil, mas aí já é uma outra história

Bom (ou ruim) filme!

MÚSICA DA SEMANA

NOVOS BAIANOS é uma banda maravilhosa. Não confundir, por favor, com BAIANO & OS NOVOS CAETANOS, que também é ótima:

Aliás, a biografia da banda escrita por um dos seus integrantes, Luiz Galvão, chama-se “Novos Baianos, A história do grupo que mudou a MPB”, da editora Lazuli. Depois do prefácio, tem um artigo escrito pelo ex-Presidente José Sarney: Bagdá e Novos Baianos. Disse o autor de Marimbondos de fogo: “Eu sairia pra respirar e lembrar do que me fez olhar e descobrir a juventude sadia dos meus filhos, quando o Novos Baianos penetraram na nossa casa e na nossa vida, invadindo as madrugadas com sons que até hoje recordam esses encantos e tempos.

Toca, então, Brasil Pandeiro (recusada por Carmen Miranda!):

Pra cantar junto:

Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor
Eu fui na Penha, fui pedir ao Padroeiro para me ajudar

Salve o Morro do Vintém, Pendura a saia eu quero ver
Eu quero ver o tio Sam tocar pandeiro para o mundo sambar

O Tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada
Anda dizendo que o molho da baiana melhorou seu prato

Vai entrar no cuzcuz, acarajé e abará.
Na Casa Branca já dançou a batucada de ioiô, iaiá

Brasil, esquentai vossos pandeiros
Iluminai os terreiros que nós queremos sambar

Há quem sambe diferente noutras terras, noutra gente
Num batuque de matar

Batucada, Batucada, reunir nossos valores
Pastorinhas e cantores
Expressão que não tem par, ó meu Brasil

Brasil, esquentai vossos pandeiros
Iluminai os terreiros que nós queremos sambar
Ô, ô, sambar, iêiê, sambar…

Queremos sambar, ioiô, queremos sambar, iaiá

Essa música é de autoria de ASSIS VALENTE, que em 1958, após cinco tentativas, se suicidou bebendo guaraná batizado com veneno para ratos, em frente à praia do Russel, no bairro do Flamengo, RIO. Essa tétrica história e muitas outras – como seu vício em cocaína – estão na recente biografia escrita por Gonçalo Júnior, “Quem Samba Tem Alegria”, editora Civilização Brasileira.

Assis Valente é autor de duas obras primas: “Cai, Cai, Balão”, gravada por Aurora Miranda e Francisco Alves, inaugurando as marchinhas juninas, e “Boas Festas”, que na voz de Carlos Galhardo virou a música de Natal por excelência no Brasil (dos versos “Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel”).

Muito malicioso, Assis Valente fez uma música que Carmen Miranda gravou, “Camisa Listada”, que mostra um valentão que se veste de mulher, prática comum no Carnaval. Também fez “E o mundo não se acabou”, alguém que beijou na boca “de quem não devia”. Fora o duplo sentido de alguns títulos, “Gosto mais do outro lado”, “Ele disse que dá” e o samba “Uva de Caminhão”. Nesse, Assis Valente cita inúmeros sucessos carnavalescos entremeados com símbolos fálicos (pirulito, chupeta, canivete, flauta de bambu):

Mas só por Brasil Pandeiro, ele já pode ser considerado gênio da raça!

Bom som!

CITANDO E RECITANDO

Nunca interprete arbitrariamente a lei, como costumam fazer os ignorantes que têm presunção de agudos.

– Achem em ti mais compaixão as lágrimas do pobre, mas não mais justiça do que as queixas dos ricos.

– Procura descobrir a verdade por entre as promessas e dádivas do rico, como por entre os soluços e importunidades do pobre.

– Quando se puder atender à eqüidade, não carregues com todo o rigor da lei no delinqüente, que não é melhor a fama do juiz rigoroso que do compassivo.

– Se dobrares a vara da justiça, que não seja ao menos com o peso das dádivas, mas sim com o da misericórdia.

– Quando te suceder julgar algum pleito de inimigo teu, esquece-te da injúria e lembra-te da verdade do caso.

– Se alguma mulher formosa te vier pedir justiça, desvia os olhos das suas lágrimas e os ouvidos dos seus soluços, e considera com pausa a substância do que pede, se não queres que se afogue a tua razão no seu pranto e a tua bondade nos seus suspiros.

– Ao culpado que cair debaixo da tua jurisdição, considera-o como um mísero, sujeito às condições da nossa depravada natureza, e em tudo quanto estiver da tua parte, sem agravar a justiça, mostra-te piedoso e clemente, porque ainda que são iguais todos os atributos de Deus, mais resplandece e triunfa aos nossos olhos o da misericórdia que o da justiça.
(DOS CONSELHOS QUE DEU DOM QUIXOTE A SANCHO PANÇA, ANTES DE ELE IR GOVERNAR A ILHA, COM OUTRAS COISAS BEM CONSIDERADAS [Capítulo XLII]) 

Duas almas

Ó tu que vens de longe, ó tu, que vens cansada,
Entra, e, sob este teto encontrarás carinho:
Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho,
Vives sozinha sempre, e nunca foste amada…

A neve anda a branquear, lividamente, a estrada,
E a minha alcova tem a tepidez de um ninho,
Entra, ao menos até que as curvas do caminho
Se banhem no esplendor nascente da alvorada.

E amanhã, quando a luz do sol dourar, radiosa,
Essa estrada sem fim, deserta, imensa e nua,
Podes partir de novo, ó nômade formosa!

Já não serei tão só, nem irás tão sozinha.
Há de ficar comigo uma saudade tua…
Hás de levar contigo uma saudade minha…
(“Duas Almas” de Alceu Wamosy, poeta nascido em Uruguaiana em 1895 e morto em Santana do Livramento em 1923).

Uma vez, nos anos 40, eu passei dez dias no Brasil, em Santana do Livramento. E lá vi um homem matar outro. Assim: o reluzir de uma faca diante de meus olhos, e um corpo cair sem gritos. Era a morte, em toda a sua essência, como um documento. No momento aceitei essa cena sem turbamento, me pareceu um fato natural. Lembro que foi uma briga entre um negro e um branco, e o branco morreu.
(JORGE LUIS BORGES nas páginas amarelas da revista VEJA em setembro de 1980)

Nada mais vos posso dar, a não ser o meu sangue.
(Getúlio Vargas)

De repente o tempo estava podre e tinha cheiro de garapa.
(José Sarney em Marimbondos de fogo, citado por Elio Gaspari no livro “A Ditadura Acabada”)

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