Essa Nada Mole Vida



Vida de juiz não é nada fácil. Como tem a função de julgar interesses antagônicos, sempre termina por desagradar a alguém. E mesmo quando apresenta a solução mais lógica e racional possível sobre determinado caso, é criticado.

Recentemente o Supremo Tribunal Federal proferiu decisão contra majoração dos subsídios dos congressistas. Em conseqüência, alguns dos senhores Deputados e Senadores bradaram aos quatro ventos que a situação é absurda, pois juiz não pode ganhar mais do que um congressista eleito pelo povo. Qualquer ameba poderia prever que, nos termos em que proposta, a medida seria repudiada pelos eleitores. Portanto é falacioso o argumento de que os representantes do povo devam ganhar mais do que qualquer outro agente político.

Por outro lado, não há motivo para que um Deputado ou Senador perceba salário menor do que o de um Ministro do STF. Ambas as funções são importantíssimas para o implemento do Estado Democrático de Direito. Mas será que os congressistas realmente ganham menos?

O Ministro do STF tem seu vencimento fixado em Lei, o qual, descontados imposto de renda e previdência social, equivale aproximadamente a dezessete mil reais líquidos. É muito, mesmo para quem tem por atribuição constitucional decidir aspectos e circunstâncias da vida de inúmeras pessoas? Se compararmos com o salário mínimo, sim. Contudo, se cotejarmos com a remuneração de dirigentes de algumas empresas privadas, é possível concluir que não. Bons executivos, com responsabilidade gerencial muito menor que a de um magistrado, são remunerados em quantias superiores a trinta mil reais. Pode-se argumentar que um Ministro do STF trabalha no setor público, e, se quiser melhores vencimentos, que se habilite na iniciativa privada.

Então voltamos ao salário mínimo como parâmetro, devendo-se questionar se é alto o salário do Ministro, ou baixo demais o mínimo? A resposta parece óbvia. Então por que não se trabalha por um salário mínimo digno, que efetivamente assegure garantias expressamente descritas na Constituição? Será preciso nivelar sempre por baixo? É vergonhoso, por exemplo, o salário de um professor estadual. Pela extrema relevância do ensino público não parece errado comparar tal atividade com a magistratura. Será correto defender que o juiz ganhe o mesmo que um professor (menos), ou que este perceba remuneração similar à daquele (mais)? Indiscutível, não? E assim como professores e magistrados, parlamentares devem ser bem remunerados.

O vencimento de Ministro do STF — maior salário do Poder Judiciário Federal, limite máximo no setor público — é aquele antes descrito. E é só! Não há mais nada a receber, exceto verbas indenizatórias — aliás, como qualquer outro trabalhador — e pelo exercício de outras atividades, como a de integrante do Tribunal Superior Eleitoral, oportunidade em que o trabalho dobra, mas o adicional permanece muito aquém desse patamar. Não há, pois, Ministro do STF ou do STJ, desembargador federal ou juiz federal recebendo: décimo quarto e décimo quinto salários, quantias para aquisição de passagens aéreas, apartamento funcional ou auxílio-moradia, importância para gastos com pessoal e outra para despesas nos estados de origem (até sessenta e cinco mil reais). E por que são mencionadas essas parcelas? Porque são especificamente aquelas recebidas pelos senhores congressistas. Será, então, que realmente ganham menos que os Ministros do STF?

Até onde foi dado a conhecer, o Supremo invalidou o aumento não por considerá-lo desproporcional, mas por que foi utilizado instrumento normativo inábil. Ou seja, considerou a existência de vício formal e não substancial. É como se naquele momento o Supremo dissesse: os senhores parlamentares podem aumentar seus salários, só não estão autorizados a fazê-lo por decreto.

Obstruído o aumento, alguns congressistas publicamente referiram a necessidade de congelar os salários dos Ministros do STF, até que sejam alcançados pelos dos legisladores. Paradoxal é que são os mesmos parlamentares que integravam o Congresso quando aprovada Emenda Constitucional que estabeleceu o subsídio de Ministro do STF como o teto, bem como quando editada Lei que fixou esses vencimentos. Disso cabe indagar: ou não sabiam o que votavam ou estão a defender interesses pessoais, ao invés dos interesses públicos para o quê foram eleitos.

O mais curioso ainda é que esses congressistas não teceram críticas aos seus colegas — exatamente, a outros parlamentares! — que ingressaram com a impugnação judicial no STF. Afinal o Supremo somente interferiu na questão porque provocado por deputados inconformados com o aumento.

Viram como não é fácil vida de juiz? Tem que apreciar pedidos que não escolheu julgar e, independentemente da solução, será criticado. Na situação em apreço, alguns congressistas entenderam que o Supremo desrespeitou o Legislativo federal. E partiram para o revide contra uma agressão inexistente. Há quem jure ter ouvido um deles bradar da tribuna que os juízes impedem o progresso da nação, porque “pouco salário e muita saúva, os males do Brasil são”.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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