O céus e o Caos



Diariamente acompanhamos pelos noticiários o tabuleiro político onde se confrontam interesses e vaidades para ocupação dos mais diversos cargos públicos, nas áreas federal e estadual da administração. De outro lado, é curioso observar que, paradoxalmente, aqueles que alcançaram as funções almejadas terminam por ingressar em outras eventuais batalhas: passam a brigar por se eximirem de qualquer responsabilidade frente ao descumprimento dos encargos que lhe foram atribuídos.

É nesse contexto que devemos tentar compreender o problema atinente ao espaço aéreo nacional. É impressionante a inoperância estatal quanto ao quadro caótico que se observa na aviação civil, todavia o que mais exaspera é o jogo de empurra-empurra no que tange à responsabilidade por essa situação.

Foi preciso que mais de centena de brasileiros fosse vitimada para que o governo percebesse o risco a que estava expondo os usuários da aviação no espaço aéreo nacional? E até quando ainda estarão expostos ao perigo? É preciso destacar que a questão não se resume a eventuais atrasos, mas exatamente à falta de segurança que tem norteado o transporte aéreo. Afora o triste acidente que teria desencadeado a anarquia que atualmente presenciamos, foi noticiado que duas outras tragédias não se sucederam por muito pouco.

Parece que no Brasil as instâncias públicas são movidas por eventos trágicos. Cento e onze presos precisaram morrer para que as autoridades atentassem para o grave problema prisional, aliás, que ainda permanece muito longe de ser resolvido. Outra centena teve que tombar pela atuação do crime organizado em São Paulo, para que, enfim, as autoridades se voltassem para políticas de segurança eficazes. E o interessante é que enquanto inocentes são vitimados, e as trapalhadas — para dizer o mínimo — se perpetuam, as autoridades denotam ou surpresa ou indignação em decorrência da omissão de eventuais adversários políticos. É emblemático o caso paulista porquanto o candidato derrotado à cadeira presidencial, ex-governador daquele Estado, desincumbido antecipadamente do cargo para a corrida eleitoral, permaneceu impassível, quase alheio ao que ocorria.

De outro lado, seu concorrente vencedor empunha a bandeira da indignação e brada de forma altissonante que a situação é lastimável. Ótimo. Mas que medidas concretas estão sendo adotadas? Afinal também é noticiado que o governo dispunha de relatórios invocando medidas urgentes para a área (como também havia o alerta de estudiosos sobre a questão criminal em São Paulo).

A abertura de concurso público para controlador de vôo comprova a inércia estatal quanto à questão. Se havia cargos a ser preenchidos, por que não foi determinada sua realização anteriormente? Haveremos todos de concordar que o mais despreparado dos administradores no mínimo deve conhecer as carências humanas referentes ao setor que se mantém encarregado.

Porém estamos autorizados a supor que essa situação caótica não fosse previsível. Ou que nossos governantes estivessem mal assessorados. Ainda assim não seria demasia exigir a responsabilização daqueles que são remunerados com dinheiro público — ou melhor, nosso dinheiro — para que se antecipem a problemas dessa natureza ou pelo menos disponham de instrumentos amenizadores. Está certo que o Presidente não tem conhecimento de tudo o que se passa no âmbito de sua gestão — conforme declaração do próprio, desconhecia o que se passava em salas ao lado de seu gabinete —, mas que então, agora que o problema está exposto, cumpra as medidas cabíveis com relação aos responsáveis.

Contudo o que se acompanha é que as autoridades estão perdidas, e por se aperceberem disso, terminam por atribuir a responsabilidade a terceiros. Assim, a culpa pelo caos ou é dos controladores de vôo ou quiçá única e exclusivamente do governante anterior. Inclusive houve declarações no sentido de que os problemas decorreriam do acidente. No entanto, seria desapropriado inverter o raciocínio e cogitar de que o acidente decorreu de problemas já existentes? Certamente não haverá imbecil disposto a sustentar que o acidente não determinou o afastamento de inúmeros controladores, psiquicamente abalados com a tragédia, mas, por outro lado, não podemos ser imbecis a ponto de, no mínimo, exigir uma força de reserva capaz de abrandar a gravidade da situação.

É possível perdoar atrasos — e por conta disso assistir a aeroportos lotados, cidadãos perdendo compromissos, idosos, gestantes e crianças nervosos pela angustiante espera —, entretanto é imperdoável que nossas vidas estejam sendo postas em risco. O exercício administrativo de políticas públicas exige responsabilidade. Talvez seja o que está faltando, não apenas para resolver os problemas da aviação, mas para a construção de um país mais condizente com nossos anseios.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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