A Lista dos Defenestrados



Listas, mais do que segregar, costumam dividir a sorte dos homens. Inapelavelmente. Dependendo do que uma lista procura divulgar, a inserção nela pode significar sucesso ou fracasso, dignificação ou estigma, aplausos ou vaias, vida ou morte. Exemplo inquietante foi o apresentado pelo premiado filme de Steven Spielberg, ‘A Lista de Schindler’. Baseado em fatos reais, a película apresenta a história de judeus salvos do Holocausto. Aqueles que constavam da lista foram salvos, enquanto aos demais restou a triste solução totalitária nazista.

Certamente será difícil encontrar hipótese semelhante com conteúdo tão dramático quanto o anteriormente mencionado. Por outro lado, há listas que, guardadas as proporções, muito embora não tão drásticas, terminam por resultar em violação aos princípios mais basilares do estado democrático de direito. Não precisamos nos distanciar — no tempo ou no espaço — para exemplificar essa assertiva com listas de cassados por governos ditatoriais. Ou, situação mais comezinha, já experimentou o leitor a angustiante sensação de integrar uma lista qualquer de devedores, sem dívida inadimplida que justificasse a inscrição?

É claro que não é qualquer lista que merece reprovação. Em alguns casos mostra-se impositiva. Porém sempre haverá um elemento justificador para tanto. O cidadão adaptado ao não pagamento deliberado de suas dívidas não pode reclamar de injustiça quando se encontrar inscrito em algum cadastro de proteção ao crédito. O vestibulando e o candidato a algum cargo público desejam ardentemente integrar a respectiva lista de aprovados, mas previamente assentem com a possibilidade de assim não ocorrer. Não poderão culpar as listas pela falta de sorte ou ausência de preparo que redundaram em reprovação.

Em acréscimo, tanto num caso como noutro, a publicidade da lista parece ser relativa. Se interessa aos estabelecimentos financeiros consultar sobre a qualidade de pretensos contratantes, para a sociedade em geral não importa se o indivíduo A, B ou C é mau pagador. Assim, as listas, além de necessariamente legitimadas, quando escoradas em elementos que justifiquem sua elaboração, devem observar um razoável critério de publicidade, sob pena de extrapolarem os fins a que se prestam.

Tecidas essas premissas, com base nelas afigura-se reprovável lista disponível na internet, com ampla divulgação pelos meios de comunicação, contendo o nome de mais de centena de desafetos da Seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados – OAB/SP, que teriam ofendido prerrogativas de advogados.

Desconheço o mérito em razão do qual essas pessoas foram incluídas nessa desonrosa lista. É provável que muitas delas sejam passíveis de censura por ofensa a quem no exercício da profissão advocatícia. Aliás, é direito do advogado ser publicamente desagravado em tal situação, consoante expressamente dispõe o inciso XVII do art. 7.º da Lei n. 8.906/94 – Estatuto da Advocacia. Todavia é indubitavelmente desproporcional expor publicamente profissionais das mais diversas áreas ao vexame de serem considerados adversários da OAB/SP.

Fosse a inscrição realizada em outras circunstâncias, talvez quase não houvesse repercussão. No entanto estamos falando de uma das mais respeitáveis instituições nacionais, responsável direta pelas mais diversas conquistas que resultaram na construção deste estado de direito. Tal atitude não se coaduna com a importância da qual se reveste a OAB/SP.

Uma das formas pelas quais podemos medir a correção de nossas ações é o uso da empatia, ou seja, a capacidade de nos identificarmos com a pessoa com quem mantemos determinada relação. Se os juízes, promotores, policiais e jornalistas incluídos naquela lista resolvessem igualmente publicar outra, contendo nomes de advogados com quem pelas mais diversas razões discordassem, não estariam cometendo flagrante abuso?

Enfim, sabem os leitores o que têm em comum Albert Einstein, Sigmund Freud, Franz Kafka e Thomas Mann e os juízes, policiais, promotores e jornalistas em comento? Todos foram marginalizados por listas que, estas sim, deveriam ser defenestradas.

Nada obstante, deve estar alerta o leitor para que não se cometam outras injustiças. A condenável lista foi gestada pela Seccional da OAB de São Paulo, sem participação da OAB nacional ou da Seccional gaúcha. Estas integram outra lista: a das instituições que merecem nosso mais profundo respeito.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO RIO GRANDE DO SUL
Rua Manoelito de Ornellas, 55, Trend City Center - Torre Corporate, sala 1702, Praia de Belas - Porto Alegre, RS, CEP 90110-230.
(51) 99965-1644
ajufergs@ajufergs.org.br