Michel Laub, atualmente radicado em São Paulo, nasceu em Porto Alegre, em 1973, e formou-se em Direito em 1996. Pertence a minha geração, mas nossas semelhanças terminam por aí. Laub é um escritor de sucesso. Entenda-se por tal o sujeito que tem reconhecimento da crítica e vende um número razoável de livros, embora longe de ser um best seller.

Meu primeiro contato com sua obra foi com “O Segundo Tempo”. Enredo: dois irmãos, cujos pais estão prestes a se separar, vão ao jogo que os apaixonados por futebol – e claro que com uma “certa” idade – conhecem por ‘Grenal do século’. Enquanto acompanha a partida, o mano mais velho imagina como abordar o assunto da separação com o mais jovem. O resultado da partida, óbvio, não interessa, mas sim que eu, assim como os personagens, estive assistindo esse jogo! Daí a natural identificação com a história. E seria um tema trivial, não fosse ele burilado pela pena de Laub. Importante esclarecer que, embora tenha o futebol por cenário, o drama pessoal do narrador é o motor da narrativa.

Para quem tem ojeriza ao esporte ou prefere navegar por algo afeito à profissão (lembrem, o cara se formou em Direito), há “Música Anterior”, sobre um magistrado (?!) refletindo sobre sua vida, em especial um casamento modorrento e a condenação de um estuprador. Baita enredo. Mas não curti muito. Talvez por ter ido com muita sede ao pote. Prefiro, na linha desse tema, pela maior densidade do drama e melhor desenvolvimento da personagem principal, “A Balada de Adam Henry” do Ian McEwan. Mas esse fica para outra conversa…

Retomando o Laub, “Diário da Queda” é sua obra mais reconhecida, traduzida e admirada pela crítica, inclusive internacional. Trata de três gerações de judeus, sendo o avô sobrevivente de Auschwitz, de preconceito, de perdas e afetos, de conflitos e incompreensões. Obra-prima!

Porém, curiosamente, meu predileto era “A Maçã Envenenada”, que fala do Kurt Cobain e… CPOR. Isso mesmo, parte da história se passa em 1993, quando o personagem principal se interroga entre fazer uma guarda ou fugir para assistir um show da banda em Sampa, com a conseqüente prisão que lhe seria imposta. Passei por aquele quartel/escola dois anos antes (onde havia um tenente colorado que perseguia os gremistas, mas isso também é outro papo). No livro, há mais, há mais, tem mais. Mas fico por aqui.

Fico por aqui e falei que o “Maçã” era meu predileto por que ainda estou sob o impacto de “O Tribunal da Quinta-feira”, sobre o qual desejo falar. Compartir essa experiência única. Nada a ver com tribunal no sentido formal. O tribunal aqui é algo da mente do narrador, que pode ser a sociedade, seus interlocutores ou mesmo o próprio. É um julgamento moral. A trama gira em torno de personagens fortes, basicamente o narrador, José Victor, sua ex-esposa, Teca, e seu amigo homossexual e soropositivo, Walter. Todos integrantes da classe média dita sofisticada. Mas quem me conquistou mesmo foi Dani, a pós-adolescente suburbana oriunda daquela camada social que emergiu da pobreza, e que hoje se vê novamente ameaçada, nesses tempos estranhos, de se afogar naquela realidade de impossibilidades materiais e espirituais, da qual, muitos entendem, ela nunca deveria ter saído.

Mas não há aí apenas uma pertinente crítica social. Laub também trata dos julgamentos morais via redes sociais. Lá onde qualquer abobado se sente estimulado a escrever qualquer besteira, de resto amparado pelo anonimato ou na suposta autoridade de um ego ferido. Que livro! Mais do que contar uma história, faz o leitor colocar o dedo na moleira. E como estamos precisando…

Quem acredita que a literatura está morrendo, precisa repensar seus conceitos. Está aí o trabalho do cara para comprovar. Laub não é só narrativa, também é reflexão. Há muito de memorialístico e ensaístico na sua obra. O melhor de tudo é que estou acompanhando esse desenvolvimento. Ninguém me dirá como foi ou precisarei pesquisar sobre seu contexto. Estou inserido nele. Mais que tudo, seus livros falam do meu tempo, da minha história.

Texto revisado pela minha filha Giulia Cecília

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