A Justiça

Entendendo a indisponibilidade de ativos financeiros no Bacen Jud

As facilidades do meio eletrônico acarretaram diversas modificações na vida das pessoas. O mesmo fenômeno se deu também quanto à agilização na execução de dívidas cobradas em juízo e para a execução de garantia em relação a diversos tipos de processos, a partir da criação em 2001 do sistema Bacen Jud pelo Banco Central do Brasil (Bacen) em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Através do Bacen Jud juízes de todas as esferas judiciais (estadual, federal, trabalhista, militar e eleitoral) em todo o país utilizam um mesmo sistema virtual para fazer consultas e bloqueios em contas de pessoas físicas e jurídicas junto a diversas instituições bancárias e financeiras, a fim de possibilitar o cumprimento de medidas acautelatórias e de execução em processos sob sua responsabilidade.

Neste texto, o objetivo é apresentar algumas informações sobre em que circunstâncias ocorre a indisponibilização de ativos financeiros nesta plataforma, como ela funciona e de que forma as pessoas atingidas pela medida podem apresentar sua defesa.

O Código de Processo Civil e a legislação especial de execução fiscal (Lei nº 6.830/80) estabelecem preferência na penhora, por dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicações em instituições financeiras, para a realização dos créditos em ações de cobrança (execuções por quantia certa, cumprimentos de sentença, execuções de título extrajudicial, execuções fiscais, etc.).

Assim, é comum a ocorrência de bloqueio de ativos financeiros no âmbito de tais ações, o que também pode ocorrer em outros tipos de demanda, nas quais deferida tutela de urgência de natureza cautelar para assegurar o resultado útil de processo em tramitação ou determinadas medidas de sequestro de bens, inclusive contra entes públicos, o que ocorre com relativa frequência, por exemplo, em casos de descumprimento de medidas urgentes em ações de medicamentos.

Há demandas outras nas quais também é comum a decretação da medida de indisponibilidade de bens, como nas medidas cautelares fiscais, ações civis públicas de improbidade administrativa e falências. Por fim, no âmbito criminal, também é possível a indisponibilização de ativos financeiros para cumprimento de medidas de sequestro e arresto, havendo previsão da medida também em leis esparsas, de que são exemplos as Leis nº 13.260/2016 e 13.810/2019.

Nesse contexto, os bloqueios judiciais podem ser decretados em ações de natureza executiva ou em outras ações sem tal natureza, com o objetivo de salvaguardar futuro cumprimento de obrigação decorrente, por exemplo, de condenação por improbidade administrativa, condenação criminal, apuração de responsabilidade de sócios e gestores nos casos de falência, liquidação extrajudicial ou intervenção. A realização dos bloqueios de ativos financeiros se dá através do sistema Bacen Jud, administrado pelo Banco Central do Brasil.

O Bacen Jud é um instrumento de comunicação eletrônica entre o Poder Judiciário e as instituições financeiras que fazem parte do Sistema Financeiro Nacional, não alcançando instituições financeiras no exterior, sem filial no Brasil. O sistema é intermediado, com gestão técnica e serviço de suporte a cargo do Banco Central.

Nesse sistema são protocolizadas as ordens judiciais de requisição de informações, bloqueio, desbloqueio e transferência de valores bloqueados, que são transmitidas às instituições bancárias para cumprimento e resposta. O Banco Central não faz bloqueios no Bacen Jud para qualquer fim, sendo esta atribuição de competência exclusiva do Poder Judiciário, servindo o sistema como instrumento de facilitação da interlocução entre o juiz e as instituições integrantes do Sistema Financeiro.

As instituições financeiras participantes, responsáveis pelo cumprimento das ordens são atualmente as seguintes: o Banco do Brasil, os bancos comerciais, os bancos comerciais cooperativos, a Caixa Econômica Federal, os bancos múltiplos cooperativos, os bancos múltiplos com carteira comercial, os bancos comerciais estrangeiros – filiais no País, os bancos de investimentos, os bancos múltiplos sem carteira comercial, as cooperativas de crédito, as distribuidoras de títulos e valores mobiliários, as corretoras de títulos e valores mobiliários e as sociedades de crédito, financiamento e investimento.

As ordens judiciais de bloqueio recaem sobre o saldo credor inicial, livre e disponível, apurado no dia útil seguinte ao que o arquivo for tornado disponível às instituições financeiras, não sendo considerados, nos depósitos à vista, quaisquer limites de crédito (cheque especial, crédito rotativo, conta garantida etc). Os bloqueios recaem sobre os saldos existentes em contas de depósitos à vista (contas-correntes), de investimento e de poupança, depósitos a prazo, aplicações financeiras em renda fixa ou variável, fundos de investimento, e demais ativos sob a administração, custódia ou registro da titularidade pela instituição participante.

Os saldos existentes em Certificados de Depósito Bancário (CDB), operações compromissadas, letras (LCA e LCI), Recibo de Depósitos Bancários (RDB), ativos de renda fixa e variável, fundos de investimento e todas as outras aplicações financeiras de qualquer natureza também são passíveis de bloqueio por ordem judicial. As ordens surtem efeitos até o envio das respostas pelas instituições financeiras, que somente procedem a novo cumprimento, caso seja transmitida nova ordem de bloqueio.

Os bloqueios comandados até as 19 horas de um dia útil são cumpridos normalmente no dia útil imediato, estendendo-se até o horário limite para a emissão de uma Transferência Eletrônica Disponível – TED, encaminhando-se o arquivo de resposta até as 04h59min do segundo dia útil seguinte ao da disponibilização do arquivo de remessa de ordens pelo juízo, na forma do Comunicado nº 31.293, de 16 de outubro de 2017, do Conselho Gestor do Bacen Jud, que entrou em vigor em 31/05/2018. As informações tornam-se disponíveis para os juízos até as 8 horas da manhã do segundo dia útil subsequente à ordem transmitida.

Para evitar o bloqueio múltiplo, em caso de existência de recursos em mais de uma instituição financeira, ou o juízo direciona sua ordem para uma instituição específica, apontando agência e conta sobre a qual pretende recaia a medida de indisponibilidade, o que normalmente é feito a partir de consulta prévia aos ativos disponíveis, ou a parte interessada faz cadastramento de conta única para bloqueio nos Tribunais Superiores nos termos da Resolução nº 61, de 07/10/2008, do CNJ, montando base de dados que é acionada para informar o usuário no momento do preenchimento da minuta de bloqueio, comprometendo-se a manter saldo disponível para bloqueio.

De qualquer forma, o juiz poderá ordenar os desbloqueios de valores em excesso, assim que a resposta à ordem transmitida estiver disponível no sistema, sendo que a efetivação dos desbloqueios ocorre no dia útil seguinte ao da protocolização do comando respectivo. Há hipóteses legais de impenhorabilidade, que devem ser sopesadas no momento da manutenção de bloqueios efetuados no BACENJUD.

Tais regras estão previstas no CPC. Assim, são impenhoráveis, nos termos do art. 833, IV, os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal. Ressalva-se, contudo, a hipótese em que o crédito a ser satisfeito versar sobre prestação alimentícia, independentemente da sua origem, bem como a possibilidade de penhora em relação a importâncias superiores a cinqüenta salários-mínimos mensais (§2º do art. 833). Há proteção legal também em relação às contas de poupança, sendo impenhoráveis, nos termos do art. 833, X, a quantia depositada até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos.

Para facilitar a análise de tal situação, o Conselho Gestor do Bacen Jud deliberou, por meio do Comunicado 30.955, de 7 de julho de 2017, que entrou em vigor em 1º de julho de 2018, que as instituições financeiras devem informar se tratar ou não de conta-salário quando das respostas a comandos de bloqueio. No mesmo comunicado foi determinado que têm primazia de liberação os valores bloqueados em conta salário em relação aos demais ativos sob a administração e/ou custódia da instituição participante.

Tratando-se de hipótese não detectada de ofício pelo juízo, cabe à parte interessada suscitar a impenhorabilidade ou a indisponibilidade excessiva de ativos financeiros, no prazo de cinco dias contados da intimação da indisponibilidade, que será feita na pessoa do advogado, ou pessoalmente caso o executado não possua advogado (art. 854, §§ 2º e 3º, I e II, do CPC).

Caso a indisponibilidade recaia sobre conta-conjunta, cabe à parte ou ao terceiro fazer requerimento de liberação com a prova desta situação quanto às questões relacionadas à meação ou origem dos recursos depositados (se exclusivos da parte não executada), o que será objeto de apreciação pelo juízo.

Os textos publicados não refletem necessariamente a opinião da AJUFERGS. O blog é um meio de convergência de ideias e está aberto para receber as mais diversas vertentes. As opiniões contidas neste blog são de exclusiva responsabilidade de seus autores.


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Comentário

  1. É interessante que apesar desses meios para se conseguir receber débitos em ações judiciais, quem realmente não deseja pagar de forma alguma simplesmente não deixa nada em seu nome, o que não é difícil de acontecer. Conheci um senhor que estava devendo mais de dois milhões de reais, morando em uma mansão, usando veículos de luxo e não podia ser alcançado pela justiça porque todos os seus bens estavam em nome de terceiros. Infelizmente a justiça ainda não achou um meio de alcançar esses espertalhões. Mas também conheci uma pessoa que tirou todos os bens do seu nome antes de ser citado porque estava sendo cobrado de uma dívida injusta (e seu credor ganhou o processo mesmo assim). Nesse caso a justiça foi feita, mesmo que por caminhos tortuosos, porque não foi encontrado nada em seu nome para penhorar. E, para concluir, também vi um caso de alguém que só descobriu que tinha um grande valor em uma conta bancária que não usava mais quando recebeu a intimação acerca da penhora online. Esse se saiu bem, porque o valor do saldo da conta era cem vezes maior que a dívida. Não me perguntem de onde veio esse valor na conta bancária dele porque depois da intimação não o vi mais.

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